Dá para entender a reverência que o público japonês tem com Ayrton Senna: foi lá que o piloto deu alguns de seus maiores espetáculos, especialmente no GP de 1988. Foi a primeira decisão de título entre o brasileiro e Alain Prost, ambos equipados com suas impressionantes McLaren e o motor Honda V6 turbo.

O domínio da equipe inglesa era tamanho naquela temporada que até hoje a formação do time em 1988 é considerado o melhor de todos os tempos na F-1 – um verdadeiro “dreamteam”. Não por acaso, apenas em uma etapa do ano a McLaren não venceu (em Monza, após Senna perder uma vitória ao levar um toque de um retardatário na chicane).

Antes da corrida de Suzuka, Ayrton havia vencido sete vezes no ano, enquanto Prost tinha ficado com outras seis conquistas. A matemática era simples: se Ayrton vencesse, ele era campeão. Caso isto não acontecesse, o campeonato seria decidido duas semanas depois, na prova final da temporada em Adelaide, na Austrália.

Senna, claro, queria garantir o título já no Japão e desde os primeiros treinos já mostrava que buscaria a vitória. Na primeira sessão livre, foi 1s6 mais rápido que Prost.

No treino classificatório, Senna estabeleceu um novo recorde na F-1: foi a 12ª pole do brasileiro no ano, feito que nenhum outro piloto na história havia conseguido em uma mesma temporada. A diferença não foi tão grande quanto no treino livre, mostrando que Prost seria um duro adversário naquela prova em Suzuka, ficando a três décimos de segundo do brasileiro.

A primeira fila, assim, tinha um retrato fiel da temporada: Senna em primeiro, com Prost em segundo. Quando as luzes verdes acenderam, um susto para o brasileiro: o carro não anda e o piloto Ayrton levanta os braços sinalizando o problema na esperança de  não levar nenhum toque dos mais de 20 pilotos que estariam atrás dele.

Por sorte Senna fica intacto e o grid de largada estava localizado numa descida e o piloto fez com que o carro “pegasse no tranco”. Nesta altura Ayrton ja tinha perdido 16 posições. Prost acelerou, tomou a liderança e tudo parecia perdido para os fans do piloto. Parecia.

Ayrton Senna partiu tão determinado para a recuperação que já na primeira volta ultrapassou oito carros e partiu no encalço de Alain Prost, o líder com pinta de campeão.

Na segunda volta, Ayrton passou Ricardo Patrese e Alessandro Nannini, subindo para sexto. Na terceira, passou Thierry Boutsen e, na freada da chicane, deixou Michele Alboreto para trás, na quarta volta. Mesmo estando ainda 12 segundos atrás do líder Prost, Senna mostrava estar determinado a vencer a corrida e o campeonato.

No final da décima volta, o brasileiro ultrapassou a Ferrari de Gerhard Berger e assumiu o terceiro lugar. Entre ele e Prost agora só existia o carro de Ivan Capelli, da equipe March. O problema para Ayrton era que o italiano ainda estava mais de dez segundos à frente do brasileiro.

Senna buscava a aproximação mesmo debaixo de uma leve garoa.. Prost e Cappelli se atrapalharam e perderam segundos preciosos nas disputas com os retardatários. Ayrton, cirúrgico, tirava diferença volta a volta de forma impressionante e encostou nos líderes na 19o volta. Na volta seguinte, deixou Cappelli para trás e apareceu estampado no retrovisor de Prost.

A chuva neste momento dá uma trégua em Suzuka – parecia até que ela veio apenas para proporcionar o embate histórico entre os dois maiores rivais da F-1. Agora, as condições seriam idênticas, sem a já conhecida vantagem de Senna correndo no piso molhado.

Por diversas voltas, Senna perseguiu Prost – era uma corrida à parte dos dois pilotos da McLaren. Na 28ª das 51 voltas, aconteceu o inacreditável. O brasileiro chegou voando em Prost. Ayrton armou o bote antes da entrada da reta dos boxes para consumar a sua 15ª e mais espetacular ultrapassagem na corrida.

Prost ainda espremeu Senna no muro da reta dos boxes, mas era impossível conter a manobra: o brasileiro assume a liderança, algo que parecia impossível após o problema na largada.

O francês tentou alcançar o brasileiro até o final da prova, mas Senna não deu espaço para nenhuma tentativa e ainda abriu uma considerável vantagem: Prost terminou 13 segundos atrás do novo campeão mundial.

A corrida de Ayrton Senna no Grande Prêmio do Japão, além de tida como uma das mais brilhantes de sua carreira, é considerada como uma das mais espetaculares da história da Fórmula 1.

Valeu o título, que ele pensou estar perdido na largada. Mais do que uma vitória atemporal do novo campeão mundial, foi uma obra de arte. Um roteiro digno de cinema – e com final feliz para Senna.