Imagem: Reprodução Revista Veja

Em fevereiro de 1990, Ayrton Senna foi capa da Revista Veja, onde o principal assunto era a sua confirmação para disputar a temporada daquele ano após as discussões políticas com os cartolas da F-1. Depois da polêmica decisão do Campeonato Mundial de 1989, onde Alain Prost foi declarado campeão após a manobra de Jean-Marie Balestre para excluir Ayrton Senna do GP do Japão,  o piloto brasileiro viveu dias difíceis nas férias e durante a pré-temporada daquele que viria a ser o ano do seu segundo título mundial.

A matéria com sete páginas aproveita algumas declarações de pessoas próximas a Senna para tentar estabelecer um perfil do piloto brasileiro. O piloto Nigel Mansell, o narrador Galvão Bueno, a irmã Viviane Senna, o ex-piloto Jackie Stewart, o mecânico Tchê e o empresário Braguinha foram alguns dos entrevistados que citaram algumas das características marcantes do piloto.

Confira as imagens da matéria e alguns trechos da reportagem:

CARTAS DE SENNA

Numa carta escrita em inglês, o piloto brasileiro voltou atrás nas acusações de manipulação em favor do campeão, o francês Alain Prost, que fizera à Fisa no final do campeonato do ano passado, gerando os violentos atritos com Balestre que quase o tiraram temporariamente das pistas. “Durante a reunião do Conselho Mundial da Fisa que teve lugar em dezembro do ano passado ouvi declarações e testemunhos de diversas pessoas, e deles pode-se concluir que nenhum grupo de pressão ou o presidente da Fisa influenciaram nas decisões relativas aos resultados do Campeonato Mundial de Fórmula 1 de 1989”, escreveu Senna, satisfazendo a exigência de retratação pública feita por Balestre e colocando fim pelo menos por enquanto à guerra de nervos que travou com a Fisa.

RESPOSTA DE BALESTRE

Balestre fez questão de divulgar com estardalhaço a carta de Senna. No comunicado oficial do começo da tarde, que colocava Senna ainda em situação irregular, Balestre se justificou. “Em nenhum momento exigi que Senna se humilhasse”, escreveu o cartola. “Simplesmente pedi a ele que reconhecesse o fato de estar mal informado.” Os momentos finais da batalha foram de alta tensão. O mundo da velocidade dormiu na quinta-feira passada sem saber se Senna cumpriria as exigências de Balestre. Durante pelo menos duas horas acreditou-se que o brasileiro estava fora do campeonato. Quando o cabo-de-guerra pareceu arrebentar pelo lado do piloto, a roda-viva milionária da Fórmula 1 entrou em cena numa ação fulminante. Os japoneses fabricantes do motor Honda da McLaren, que só no ano passado gastaram 400 milhões de dólares na Fórmula 1, avisaram ao chefe da equipe McLaren, Ron Dennis, que não queriam correr o menor risco de dois turrões atrapalharem seu negócio.

IMAGEM PÚBLICA

Senna sempre cuidou de revestir a vida e a carreira de muita publicidade, mas sempre uma publicidade em que ele mantém estrito controle sobre tudo. Suas respostas a perguntas diretas são sempre evasivas e sugerem algo mais do que foi dito. Quando se encontra no Brasil ele está sempre fugindo, se escondendo na casa dos pais, na fazenda ou na casa de conhecidos. Poucos são seus amigos íntimos e na casa dos pais, em São Paulo, ainda divide o mesmo quarto com o irmão menor. “Agora estou pensando em comprar um apartamento para ficar quando vier ao Brasil”, diz Senna. Na Fórmula 1, um ambiente em que é difícil fazer amigos e fácil perdê-los, Senna perdeu quase todos. De toda a caravana de equipes com mecânicos e pilotos, somente um deles, Thierry Boutsen, da Williams, mantém com Senna relações sociais mais constantes. Desde 1985 eles regularmente viajam juntos durante as férias.

AYRTON POR VIVIANE

– “O Ayrton sabe que sua imagem é forte e que cativa as pessoas”, diz Viviane Lalli, 32 anos, psicóloga, irmã do piloto e mãe de Bianca, 10 anos, Bruno, 6 anos, e Paula, de 4, companheiros constantes de Ayrton Senna quando ele está no Brasil. “Ele tem uma carinha de cachorro vira-lata, um rosto que sugere afeto e bondade e que cativa os corações.” Viviane conta que nas épocas em que Senna está mal no campeonato ou que enfrenta problemas de saúde – como quando teve uma paralisia facial há três anos – ele recebe dezenas de cartas de apoio. “É engraçado, mas a maioria das cartas é de mães que dispensam a ele o mesmo carinho que a um filho”, diz Viviane. Ele recorre sempre à irmã quando está em dificuldades. Por acaso ela estava a seu lado no motor-home da McLaren quando Senna soube da morte de Armando Botelho. “Ele chorou copiosamente, depois foi para Mônaco e passou dias de luto sentindo muito a morte do amigo”, conta Viviane. “Sinto que meu irmão não se contenta em ser piloto, apenas ele quer mais alguma coisa, sempre quer mais alguma coisa.”

Senna por Galvão Bueno

“A melhor definição do Ayrton quem me deu foi o jornalista português Domingos Piedade, que cobre a Fórmula 1”, diz Galvão Bueno, locutor da Rede Globo. “Ele disse que o Ayrton é um ET, um ser de outro planeta cuja dedicação ao trabalho não é igualada por nenhum outro piloto.” Na definição de Piedade, “Ayrton trabalha 24 horas por dia, e Prost só perde para ele porque trabalha dezessete e dorme as outras sete”. Não é fácil o convívio com o piloto brasileiro. “Ele escuta mas não ouve”, diz Galvão Bueno. “E se desliga com a maior facilidade quando o assunto não lhe interessa.” E o mais frequente é os assuntos dos mortais comuns não lhe interessarem. “Conversa com ele tem que falar sobre motores e carros, senão não engrena”, diz Lucio Pascual Gascon, o “Tché”, um espanhol de 53 anos que montou o primeiro motor para Senna, um Parrilla italiano que ele guarda em sua oficina paulistana até hoje. Numa carta enviada ao Tché, da Inglaterra, nos seus tempos de Fórmula Ford, só há algumas palavras compreensíveis aos não entendidos – no restante Senna só fala de bielas, chassis, eixos, potências e pneus.